Cozinha Portuguesa

A avó da cataplana

É, em boa verdade, neta da Prussiana. Das Beiras, onde ainda a procuro*, perdida nas memórias das famílias.

A Prussiana servia para confeção lenta de peças de caça, em fogos de campo para onde era levada por caçadores e aí confeccionavam a sua refeição. Com um braseiro improvisado por baixo e mais umas brasas por cima, temperada com as ervas aromáticas do campo aberto, ser hermética era a sua maior qualidade.

Diz a “estória” que foi trazida da Primeira Guerra Mundial, de onde adquire o nome e de onde surgiu pela necessidade de se cozinhar e comer. Dois capacetes de soldado bem ajeitados encerravam-se como um bivalve e permitiam um bom aproveitamento do calor para o que modernamente apresentamos como slowcooking.
Assim era a Prussiana e hoje a Cataplana. Estamos mais perto de provar que a estória é, de facto, história culinária.

A Cataplana não é Algarvia, então. Não é árabe coisa nenhuma. Nenhum povo árabe, próximo ou afastado, apresenta um utensílio parecido em mecânica, forma, material e propósito.

A Cataplana é então o utensílio que nasce em resultado do aprimoramento feito pelos latoeiros e caldeireiros que inspirados na Prussiana, a vêem transportada e tropicalizada aos produtos locais do Algarve, nos idos anos de 1950. Maria de Lourdes Modesto aí a comeu em 1951.

Em cru, como se deve, simples e deliciosa como se pretende. Para caça na origem e mais tarde para o que também modernamente designamos por Surf&Turf (terra e mar) misturava porco e amêijoas.

Hoje, domingo, o nosso dia grande, fiz um prato que lhe faz jus. Cataplana de Corvina, Camarão e Amêijoas. Em cru, claro. Com aromáticos que suam, cheia de cheiros e de sabores.
A Cataplana cozinhada diretamente na cataplana. Porque ela não merece ser tratada como travessa onde apenas se emprata a bela comida.
Regada com um bom azeite e com um bom vinho branco, assim se serve Portugal. Assim se devia apresentar: como um prato, um utensílio e um símbolo da Gastronomia nacional.

A fórmula é na verdade muito simples, como uma fotografia de família, de baixo para cima: azeite, cebola, alho, tomate, batata, pimentos (tudo em rodelas), coentros, louro, salsa, hortelã, azeite, sal, peixe/carne/marisco, vinho branco e um pouco de água. Lume brando. 20 minutos.

* Continuo à procura da Prussiana em famílias das Beiras Alta e Baixa até à zona de Tomar/Abrantes. Era do que se registou feita em folha, muito frágil e pouco fotogénica. Se alguém tiver informações sobre ela (fotos, receitas, documentos, testemunhos orais), ficava muito grato pela partilha. Aliás, continuo, não. Continuamos. Seria injusto não incluir a Maria De Fátima Moura e o seu incrível trabalho prévio sobre Cataplanas e Prussianas que me inspirou e aqui me trouxe. A ela, agradeço o empenho nesta teimosia de repor a verdade culinária para que o romantismo e os rótulos da história não a regateie por árabe ou romana.

As cataplanas nasceram na Beira. Designadas por Prussianas, permanecem em certas memórias até ao dia de hoje.
Cataplana de corvina, amêijoas e camarão